Conheça uma forma simples de traçar trajetórias pra sua vida

Um resumo do modelo europeu de Life Design

Livia Holanda
8 min readMay 10, 2019

No post passado, levantei uma polêmica pra tentar desconstruir aquele velho conceito de vocação que sugere carreiras únicas pra toda vida, a partir de análises de personalidade. Resumidamente, essas são as principais diferenças no que é entendido como Orientação Vocacional (métodos tradicionais) e o Life Design, ao meu ver:

Maiores diferenças entre os dois modelos de orientação. Pra entender melhor, leia o post anterior.

O modelo proposto para a construção da vida baseia-se nas narrativas pessoais e atividades em vez de scores de testes e interpretações de perfis, comuns nas orientações vocacionais. Dessa forma, esse método costuma ser mais acessível e prático, porque é human centered. Já que é sobre sua própria vida, que tal centrar o pensamento em você? Já exercita a auto empatia aí.

“Be kind with yourself”, a wise woman once said.

Pelo modelo de Life Design da escola de Savickas e Duarte, aconselha-se a presença de um intermediário para ajudar o processo de exploração de trajetórias de vida. Esse conselheiro, no caso, seria um psicólogo ou alguém habilitado a te conduzir no autoconhecimento (porque o ser humano tende a fugir disso). Mesmo assim, vou dar exemplos próximos da minha realidade pra vocês tentarem estudar algumas possibilidades sozinhos, mas acredito que ter uma companhia durante a descoberta é mais adequado e certeiro.

De forma sucinta, o método de Life Design europeu é dividido em seis etapas, que são caracterizadas pelas seguintes ações:

1. Definir problema e delinear objetivos da intervenção

Começa a rodada de perguntas. Por que estamos fazendo isso? Tem um objetivo específico? Você quer mudar de carreira? Crescer na profissão atual? Emagrecer? Ser um filho mais presente? Se espiritualizar? Tocar um instrumento? Tudo é possível, porque estamos traçando trajetórias pra vida e não apenas pra um contexto.

Para isso, vamos começar identificando que papéis exercemos no nosso dia-a-dia, outros que exercemos no passado (ou pensamos em exercer) e o que cogitamos pro futuro. Exemplo: eu já fui esposa e pianista. Atualmente, eu sou designer e blogueira, além de tia e amiga. No futuro poderia ser atleta, mãe, professora, bailarina e o que mais eu quiser. Todas as possibilidades que passam em minha cabeça em relação a coisas que posso desempenhar, ou já rolaram, eu escrevo nessa listinha.

Exemplo da minha lista em post-its de 3 cores diferentes pra sinalizar passado, presente e futuro. Se você também estiver em meados da sua terceira década de vida, teremos quantidade semelhantes de papéis.

Ao listar esses papéis, já é possível ir agrupando em domínios da sua vida. Por exemplo, separando se eles dizem respeito ao profissional (que está ligado a finanças), a relações pessoais ou ao seu tempo com você mesmo (que também é sobre sua saúde mental e física). Quando chegar numa lista que você acha que te representa, sinalize pelo menos 3 dos papéis que são os mais importantes pra você no momento, eles serão os papéis nucleares do seu presente. O tempo que você gasta exercendo cada um deles pode ser um bom indicativo do que tem mais valor pra você.

Aqui coloquei em 3 bases diferentes, o tripé da qualidade de vida, pra ser sucinta, mas existem outras formas de dividir. Alguns papéis as vezes podem fazer parte de 2 ou mais contextos.

2. Explorar sistema dos papéis identificados

Para a escola de Life Design europeu, o que você acabou de definir no mapa é o seu sistema de formas identitárias, que são papéis que falam sobre quem você é, foi ou será. As formas traçadas na primeira etapa servem como material para investigação de como você funciona e vê a si mesmo nos domínios e papéis de destaque. Se durante essa exploração você estiver acompanhado, é importante que escreva e comente o que cada papel significa pra você. Por meio das narrativas, o implícito se torna mais claro e objetivo e é possível estruturar e articular as experiências e expectativas relacionadas aos papéis.

3. Abrir perspectivas

Agora é a hora de selecionar os papéis que você gostaria de desenvolver. Em seguida, analise um a um quanto a valor e contexto.

“Pode ser o momento de experimentar as narrativas silenciadas. Por meio desta descoberta comum e reapropriação, as narrativas podem reorganizadas, revisadas e revitalizadas” — Maria Duarte

Nesse momento, é necessário ver se rolou algum abandono de opções ou sonhos destruídos na sua vida. É muito importante também perceber o que tem mais valor pra você no seu momento atual. E como bom designer, se questionar porque essas coisas tem valor (essa reflexão vai bem longe e pode ser muito mais profunda, basta querer).

Exemplificando com minha vida, selecionei 3 coisas que gostaria de ser e não sou. Vamos avaliar valor e contexto.

Exemplo 1: Contexto favorável/desfavorável + baixo valor = Papel “bailarina” vai pra escanteio.
Por que? Por que nunca foi importante, é só uma vontadinha. O que faremos? Se não tem valor no momento, esse papel pode ser descartado, sem dó. Ele pode até ter valor no futuro, mas agora não gastaremos tempo com ele.

Exemplo : Contexto é desfavorável + alto valor = Papel “mãe” foi pra escanteio.
Por que? Não acho que é o momento. Por que? Gostaria de estar em outro contexto pra isso acontecer, que acho que conseguirei no futuro. O que posso fazer agora? Pra que esse papel tenha espaço no meu futuro, posso acompanhar minha fertilidade, posso congelar óvulos, posso fazer acordo com os amigos sobre filhos entre nós, e por aí vai. A ideia é abrir possibilidades. Um card desse, pelo valor que tem pra mim, fica anotado com ações do que posso fazer agora para torná-lo possível no momento que julgar o contexto mais adequado.

Exemplo 3: Contexto favorável+alto valor = Papel “professora” segue o jogo.
Por que? Parece um bom caminho e um bom momento para reposicionamento de carreira. Especifique: professora de química de supletivo ou professora de artes visuais pra crianças? Onde, como, por que? Em quanto tempo consigo mudar de carreira? O que isso vai me trazer de positivo? E que perdas posso ter? Eis um card cheio de perguntas pra exploração. Ele vai pra próxima etapa.

4. Localizar novo problema

Ao abrir perspectivas, surgirão novas histórias. Diante de novas histórias, um novo eu será identificado e colocado sob nova perspectiva. Quando você começa a pensar numa possibilidade diferente de futuro e se foca no que é possível ser feito a partir dele, entende que atos pode antecipar para promover a realização do que deseja.

A resolução acontece quando cristaliza-se novas antecipações e o indivíduo articula um “eu” possível que, antes da intervenção, era apenas vagamente percebido. Esta etapa se completa quando for possível criar uma síntese entre o velho e o novo, através da seleção de algum papel ou identidade que surgiu no processo, e de um compromisso de tentativa com eles.

5. Especificar atividades

Um compromisso traçado com o novo papel só se concretiza por meio do engajamento em atividades relacionadas a ele.

É preciso que haja um plano de ação, que descreva como engajar-se nas novas experiências, que liste atividades que podem te mover do experimentado para o desejado, um movimento que denominado de ação intencional.

O interessante do modelo de LD é que ele sugere que você liste as atividades definindo prazos e escreva uma carta pra você mesmo contando o que vai fazer pra realizar seu futuro escolhido. E que selecione pessoas da sua rede de confiança (sua audiência) pra contar a elas o que está planejando.

Exemplo de plano de ação de 1 ano, com atividades e prazos delimitados, anotação de audiência para a nova narrativa e definições do que fazer no caso de sucesso e fracasso do plano.

Ao escolher sua audiência, procure gente que conhece bem e que você sabe que são seu suporte e desejam seu melhor. Alerta: fuja de falsianes! Tudo bem ter alguém próximo pessimista que levante alguns alertas, mas tenha certeza que até essa pessoa vai ser capaz de te apoiar em suas escolhas.

6. Acompanhar

A sexta etapa é de acompanhamento de curto a longo prazo. Uma vez definidos os prazos para que as atividades sejam cumpridas, acompanhe. Caso falhe e ainda faça sentido continuar no plano, reveja os prazos. Tente deixá-lo em um lugar visível pra lembrar sempre. Entenda que você é o dono do seu futuro.

Como sei se funcionou?

“O objetivo é produzir mudanças significativas nas estórias de vida das pessoas, aumentando a adaptabilidade, a narrabilidade, a atividade e a intencionalidade” — Duarte

Se você mapeou, escolheu e desenvolveu um plano de futuro pra você, já temos um sucesso! A maioria das pessoas vai deixando a vida levar porque não se conhece. É muito mais difícil saber o que quer e exercer o poder de escolha, sabia?

Aplicando parte dessa dinâmica em mentorias que dei na Obra do Berço com minhas musas Elisabet de Marco e Natasha Zito, percebi algumas coisinhas que acho importante ressaltar:

  • Nunca esqueça do contexto. Se você não tem grana pra começar a faculdade agora, seu plano deve começar por estudar formas de entrar gratuitamente, ou arranjar um trampo pra conseguir a grana, ou começar a poupar, entende? Um passo de cada vez. O importante é começar a caminhada.
  • É interessante ter um plano que começa logo. Logo significa amanhã ou na próxima semana. Não é dieta projeto verão de férias com ex, amigos. É plano de sucesso da sua vida, não vamos perder tempo. Tente não adiar. Ele só depende de você.
  • Quanto menor o período pra realizar o plano, mais controle você consegue ter pra torná-lo real. Um plano de futuro de anos é um plano de longo prazo e muita coisa muda num período longo. Nesses casos é necessário revisitar continuamente o plano pra ajustar ou conferir se faz sentido ainda.
  • Perdeu o prazo? Ok, reveja. Tente ajustar próximo do que acreditou que daria pra ser. Desanimou do plano? Pare e pense. Faz sentido ainda? O que está dificultando o processo? Evite a auto sabotagem, porque nessa pedra, meus amigos, é muito fácil de tropeçar e cair.
  • Caso aconteçam imprevistos e contratempos que inviabilizem a concretização do plano depois de algum tempo, não volte atrás pra recuperar os mesmos papéis. Refaça a dinâmica, porque a gente muda o tempo todo e seu novo eu talvez tenha novos planos.

Existe um outro método mais detalhado de Life Design, desenvolvido em Stanford, que vai mais fundo na parte de autoconhecimento. Escrevi sobre ele também e postarei na semana que vem pra vocês experimentarem os dois e me dizerem qual parece mais realista e confortável.

Aproveita e me segue aqui no Medium pra receber em primeira mão, antes das redes sociais avisarem! ;) E me aplaude? Eu fiquei lisonjeada com o alcance da última publicação e acreditei demais que divulgar esse conhecimento ia ser proveitoso pra muita gente, por isso escrevi mais. Aperta aí umas 50 palminhas, pufavô!

Se tiverem dúvidas, comentem, porque respondo bem rapidinho, sempre. Se eu puder ajudar, tô por aqui e no livia.holanda@gmail.com. Só chamar! ;)

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Alguns links do bruto dessa metodologia:
- Uma
palestra da Maria Eduarda Duarte sobre Life Design
-
Compilado de artigos da Maria Eduarda Duarte
-
Entrevista com Mark Savickas
-
Life Design Counseling Manual, Savickas
-
Career Counseling, livro do Savickas
- E mais humilde, mas não menos importante:
minha dissertação de mestrado. Brinks, é menos importante sim, mas é de coração, viu? E nada bruto, rs.

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Livia Holanda

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